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Proposta de redução da jornada de trabalho vai sair do papel?

Segundo pesquisa do Instituto DataSenado, 85% dos brasileiros afirmaram que teriam mais qualidade de vida se a jornada de trabalho fosse reduzida.

Jéssica Nascimento | Especial O Liberal

 

“Teríamos mais tempo pra desenvolvermos outras atividades e também para os estudos, cursar uma faculdade pra poder se estabilizar melhor na vida profissional”, declara a belenense Lília Silva, 52 anos, sobre o porquê seria ótimo trabalhar menos horas por dia ou só quatro dias por semana sem desconto salarial. Questionada sobre o que ela faria no tempo extra se tivesse redução na jornada de trabalho, a recepcionista de consultório de oftalmologia afirma: “Cuidar da minha saúde, que não tenho tempo nem pra ir ao médico.” 

Lília Silva não é a única brasileira que aponta benefícios de ter mais tempo caso trabalhasse menos. Segundo pesquisa de opinião elaborada pelo Instituto DataSenado em abril deste ano, 85% dos trabalhadores afirmaram que teriam mais qualidade de vida, caso tivessem um dia livre a mais por semana sem corte no salário. O tempo livre seria dedicado principalmente à família, ao cuidado com a própria saúde e à capacitação, disseram os trabalhadores ouvidos.

Três propostas para reduzir a jornada de trabalho sem perda salarial tramitam atualmente no Senado. Segundo a advogada trabalhista Camila Linhares, a mais avançada delas é o Projeto de Lei (PL) 1105/2023, já aprovado pela Comissão de Assuntos Especiais (CAS). 

O projeto, de autoria do senador Weverton Rocha (PDT), inclui na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) a possibilidade de redução das horas trabalhadas diárias ou semanais, mediante acordo ou convenção coletiva, sem perda na remuneração.  

Por outro lado, entidades do setor privado acompanham com atenção as propostas encaminhadas ao Congresso, sob argumento de que, embora tenham uma intenção boa, as decisões sobre o assunto podem causar vários efeitos econômicos, tanto para a iniciativa privada quanto para os empregados.

“A gente tem situações análogas, por exemplo, como ocorreu mais recentemente com o piso da enfermagem, com a extensão de mais direitos para as trabalhadoras domésticas, o que normalmente acontece quando tem esse tipo de legislação e acaba ocorrendo de um desestímulo à formalização”, declarou Fernando Oliveira, diretor jurídico do Conselho Nacional de Jovens Empresários em Belém (Conjove).

BENEFÍCIOS DA MUDANÇA

Para Vera Paoloni, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Pará, o trabalhador só tem a ganhar com a proposta. “O principal ganho é poder ficar mais tempo com a família,  cuidar da saúde, ter mais tempo pra si mesmo, para fazer algo que não consegue por falta de tempo”, afirma. 

Paoloni defende que nos locais em que a jornada é de 4 dias de trabalho – como Japão, Espanha e Portugal – houve o aumento do rendimento da produtividade do trabalhador. “Já existem várias empresas no Brasil que estão fazendo testes-piloto dessa jornada reduzida e com resultados promissores”, conta.

Ela também defende que a proposta pode gerar novas vagas de emprego. “A redução é na jornada de trabalho e não na prestação do serviço. Exemplo: o funcionamento dos bancos continuará sendo de 5 dias. A proposta é que a jornada seja reduzida para 4 dias, o que implicará num redimensionamento do número de trabalhadores para os 5 dias. O que pode significar mais emprego”, explica. 

Para Camila Linhares, advogada trabalhista, os benefícios da redução incluem melhora no desempenho dos empregados, maior produtividade e mais disposição dos mesmos para as atividades. Ela destaca o problema mais comum do trabalho atual: “Atualmente, temos muitos casos de pessoas afastadas do trabalho por esgotamento profissional, o Burnout passou a ser doença ocupacional recentemente, inclusive.”  

OBSTÁCULOS LEGISLATIVOS

Os obstáculos residem em dois aspectos para a aprovação da proposta, conforme o cientista político Carlos Siqueira. O primeiro deles é rediscutir a legislação já existente, “que de certa forma, deu grande vantagem e liberdade ao empresariado como o trabalho intermitente.” 

O segundo aspecto é político, que opõe sindicatos patronais e de trabalhadores com representação no Congresso Nacional. “Aqui há a necessidade de muito diálogo para construir um consenso a partir de estudos que possam embasar os dois lados”, destaca Siqueira.